segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Da ditadura à Revolução dos Cravos. O Dinossauro excelentíssimo.

 O velho abutre


O velho abutre é sábio e alisa as suas penas 
A podridão lhe agrada e seus discursos 
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas

                    Sophia de Mello Breyner Andresen


"Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a língua"

                                                                                                   (Octávio Paz)

"Democracia não se faz em silêncio"

                                 (Folha de São Paulo)


1. Apontamentos para uma breve história da ditadura em Portugal:

1926: Golpe militar que instituiu o regime ditatorial

1933: constituição da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) - criada com a consultoria da Gestapo alemã

1945: Início do Estado Novo: criação da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) 

Economista de formação e convidado para assumir a pasta da Finanças em 1926, António de Oliveira Salazar começou por equilibrar o orçamento e estabilizar a moeda de Portugal. Depois (1930), como chefe do gabinete de ministros, comandou um regime autoritário, sempre apoiado pelos militares que ocupavam a presidência no Estado Novo. Armado com poderes especiais ( a polícia política, o gabinete de propaganda e a censura) promoveu a despolitização da sociedadeSua ditadura durou 48 anos: fez de Portugal um país em grande parte subdesenvolvido, com uma população majoritariamente pobre e com baixos níveis de escolaridade quando comparada com o resto da Europa.


Criou-se mito, mas "encoberto": era marcadamente discreto, se comparado aos ditadores do século XX. Não gostava da superexposição, na provável estratégia de manter, frente à população, uma imagem de vigor que os anos lhe foram roubando. Das poucas vezes que apareceu em público, declarou-se "indestrutível; instrumento da Providência". 

Não quis ser rei, mas presidente do Conselho de Ministros: dizia-se "pobre, filho de pobres".


Aos 79 anos sofreu uma queda que o deixou "mentalmente diminuído" (1968). Passou por cirurgias, mas não retornou efetivamente ao controle político. Marcelo Caetano, que assumiu seu lugar, não tinha o mesmo carisma e não conseguiu efetivar a abertura política prometida. Foi deposto pelo Movimento das Forças Armadas, promovido por militares de baixa patente, os capitães que fizeram eclodir a Revolução dos Cravos (em abril de 1974).


Salazar nunca enriqueceu no poder, mas deixou que outros roubassem para servi-lo. Manteve inabalável a insitituição da propriedade e, junto ao povo, alimentou a ideia de que o comunismo significava "cobiçar as coisas alheias" e de que a pobreza do campônio é natural. Com uma mão dava aos pobres, com a outra, favorecia os capitalistas.

A respeito da mitificação do ditador por parte do Povo, leia-se este trecho do Labirinto da saudade, de Eduardo Lourenço:

Salazar, se autodefiniu num dia de imodéstia sublimada, como «pobre, filho de pobres». Jamais dirigente algum soubera encontrar uma tão genial fórmula de identificação mítica com uma sensibilidade nacional filha e herdeira de séculos de pobreza verdadeira, cristãmente vivida como regenerante espiritualmente, para cobrir com ela os privilégios exorbitantes e a impunidade mandante da classe a que ele mesmo não pertencia, mas que serviu com uma capacidade e uma inteligência dignas de melhor aplicação. Num só homem, durante décadas, uma parte do povo português (bem mais extensa do que a oposição sempre gostou de imaginar) viu reunidas duas condições opostas cuja estrutura faz parte da tipologia dos contos populares mais clássicos: a do «príncipe e do pobre», que para a beata e hipócrita burguesia nacional se traduzia na dualidade também exemplar do «ditador e do asceta, ou do professor e do monge»
Mas ao contrário da Geração de 70 e diversamente das gerações «nacionalistas» ou «integralistas» a que se podia vincular a sua ideologia, Salazar conhecia esse Povo de que se proclamava guia sábio e sereno, quer dizer, conhecia-lhe a ancestral condição humilde, a inata ou histórica paciência diante da adversidade, da infinita resignação, de inexpugnável credulidade, realidades sociológicas do mundo rural que poucos homens de Estado ou nenhum souberam utilizar com tão funda perspicácia. Mas mais conhecia a espessura, a autêntica paixão nacional desse mesmo Povo e sob ela fundou, mais que sobre o tardio terror e a polícia, o seu longo reino, cultivando e impondo como ideal cultural uma exaltação mitificada do nosso passado ou do nosso presente. 
(https://www.academia.edu/4771490/O_LABIRINTO_DA_SAUDADE_EDUARDO_LOUREN%C3%87O)


Abaixo o charge do artista plástico Abel Manta - o cartunista mais conhecido na época:






Nestas caricaturas, Abel Manta mostra os apoiantes que Salazar teve durante a sua longa Permanência no poder.

Salazar era católico: entrou para o Seminário de Viseu, embora soubesse que não tinha vocação eclesiástica.
Quando ainda estudante, fez parte da Juventude Universitária, formada por diferentes grupos que tinham em comum a "fé inabalável em Deus, na Pátria e na Família".

No poder, era um estrategista, seguidor de Maquiavel. Seu lema era "aguardar os benefícios do tempo" (contemporizava diante de uma Europa em guerra).

Ao tomar posse, no primeiro dos muitos discursos que ficaram registrados na história portuguesa, proclamou: "sei muito bem o que quero e para onde vou"; nesse evento, recebe do povo um bilhete:
" - António, foi Deus que te chamou para salvar a nação"       

Salazar repudiava a ideia de partidos políticos. Em vez disso, criou a União Nacional - o partido único, da direita unificada em torno de três palavras sagradas: "Deus, Pátria e Família" 

Apesar da aura religiosa que sustentava a sua popularidade, reduziu o poder da Igreja ao âmbito do assistencialismo social; manteve confiscados as terras e o poder que a Igreja sempre tivera,  subordinando-a aos interesses do Estado.  Embora renegasse, em seu governo, associações ao nazismo, arrebanhou os nacional-socialistas ligados ao catolicismo (camisas azuis) e os fez vestir a camisa verde da Mocidade Portuguesa (1936): adota a saudação romana para esse grupo, que será o grande ativista do Estado Novo. 

"Se abandonados à liberdade, os homens logo convertem-se em libertinos": apoiado nessa ideia, adota a perseguição aos rebeldes, proíbe as greves e instaura a censura prévia a cinema, jornais, emissoras de rádio, teatros e livrarias.    

Apoia a guerra do governo da Espanha contra o bolchevismo, enviando 8.000 voluntários. Mas vendo na vitória de Franco um fortalecimento ameaçador, sobretudo pela aliança que a Espanha faz com a Alemanha, Salazar declara apoio aos aliados, junto ao Reino Unido.
A posição de Portugal na II Guerra foi ambígua: Salazar quis constituir um bloco de neutralidade, assinando com a Espanha, em 1939, um Tratado de Amizade e Não Agressão. Nisso:
  • vende volfrâneo e estanho para alemães e ingleses;
  • abriga judeus refugiados em trânsito para a América;
  • adia posicionamento até 1943, quando se evidencia a fraqueza alemã; só então cede base militar aos aliados nos Açores;
  • em 1945: homenageia Hitler com a bandeira hasteada a meio pau.
Com relação à PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado):

      A opressão do Regime no Estado Novo
    (Abel Manta)

Uma vez  caído nas garras da PIDE ou da Polícia Militar, o réu era levado aos Tribunais Plenários, onde:
  • a PIDE ocupava toda a assistência, constrangendo testemunhas e advogados de defesa que "exorbitavam";
  • as sentenças são ditadas antes do julgamento;
  • crimes de "traição à Pátria" resultavam em 20 anos de cadeia;
  • os presos políticos permaneciam reclusos após o cumprimento das penas, por precaução.
No salazarismo, as eleições restringiam os votos por grau de instrução, sexo e propriedade. A manutenção dos militares no poder dava-se por sabotagem e pelo exercício da violência nas eleições: "- daqui não saímos, nem a tiros, nem a votos!"

Os índices de anafalbetismo variaram, durante o salazarismo, entre 30 a 40%. Bento Caraça, ao defender a ideia de uma Universidade Popular para o país, foi demitido e preso.

Com o tempo, a obssessão colonialista (manutenção das colônias africanas) arruinou a economia e desbastou a população ativa no país; com os altos índices de mortos no Ultramar, com a violência escancarada, o estremecimento das relações com a Igreja e a decadência física do ditador, o salazarismo, no fim dos anos 60, tornou-se insustentável.

Em 1962, houve a revolta dos estudantes, que culminou em prisões, torturas e expulsões das Universidades, então tomadas pelo militares.

A Grã-Bretanha, os EUA, a Rússia e ONU exigem referendos para a autodeterminação das Províncias Ultramarinas, enquanto Portugal mantinha 3 guerras na África: Moçambique, Angola e Guiné.

Em 1968: o ditador, literalmente, cai da cadeira e, com a contusão na cabeça, ficou "mentalmente diminuído". Já idoso, Salazar foi submetido a cirurgias mas, sem sucesso.
Os burocratas que o assessoravam, para não contrariá-lo, mantiveram-no na ilusão de que continuava a despachar, enquanto Marcelo Caetano já o substiuíra no comando efetivo do país. Essa ficção perdura até 27 de julho de 1970, quando o ditador falece, aos 81 anos.

Abaixo o anúncio de uma peça teatral sobre o infeliz acidente que acometeu o ditador português:


Outro intertexto que vale a pena mencionar e ler: o conto "Cadeira", de José Saramago, o primeiro do livro Objecto Quase, de 1978 que narra a história do lentíssimo trabalho do herói caruncho, o Anobium, de corroer por anos aquele suporte onde toda a tarde se senta um velho homem que:

"A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor  do termo, a desabar. (...) Em algum lugar foi que o coleóptero, pertencesse ele ao gênero Hilotrupes ou Anobium ou outro (nenhum entomologiata fez peritagem e identificação), se introduziu naquela ou noutra qualquer parte da cadeira, de qual parte depois viajou, roendo, comendo e evacuando, abrindo galerias ao longo dos veios mais macios, até ao sítio ideal de fractura, quantos anos depois não se sabe, ficando porém acautelado, considerada a brevidade da vida dos coleópteros, que muitas terão sido as gerações que se alimentaram deste mogno até ao dia da glória, nobre povo, nação valente." (pp. 17-19).

E como não falar da "biografia não autorizada" disfarçada de história infantil O Dinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires? A ideia do dinossauro imperador ao qual roubaram a morte diz resperito a esse fim adiado do ditador, e à ficção que foi criada para ele e para o povo, de que ele continuava a governar o pais. Vejam comentário do autor sobre como conseguiu burlar a censura:


Salazar morreu em 1970; esteve no poder por 40 anos; depois dele o salazarismo ainda sobreviveu mais 6 anos sob o comando de Marcelo Caetano.

2. O fim do salazarismo e o 25 de abril

Apesar de Salazar ter, inicialmente, consertado a economia portuguesa, o seu governo envolveu-se em gastos crescentes e dívidas contraídas pelas guerras na África (o Ultramar). Sua ditadura financeira tinha o objetivo de investir sempre na guerra, motivo pelo qual dizemos que a ditadura e a guerra do Ultramar foram sempre duas faces da mesma moeda. 

O descompasso entre campo e cidade só fez aumentar, e com os anos imersos nessa situação, Portugal sacrificou um grande contingente da sua população ativa e da juventude universitária na imposição do alistamento e envio de seus "oficiais" que, nos últimos anos eram atirados para a guerra sem treinamento, para integrar tropas que estavam em inferioridade bélica. A ida para a guerra tinha dois possíveis desfechos: ou se morria em combate, ou retornavam a Portugal mutilados e loucos.

Com o acirramento da crise, mais violência era empregada dentro e fora do país: a censura recrudesceu, as prisões, torturas e desaparecimentos nunca explicados dos perseguidos - notadamente os intelectuais que ainda restavam no país e os estudantes - tornaram-se corriqueiros. Os intelectuais se sentiam isolados entre si e do restante do mundo.

Na Guiné a guerra já estava perdida: o combate seguia como uma espécie de um forçado suicídio coletivo, e as ordens dadas pelo governo português de continuar morrendo gerou uma enorme revolta dos combatentes, em especial os de baixa patente, os que ficaram conhecidos como "Capitães de abril". Disseram, à época: "Estávamos a combater e a morrer para que os ricos mantivessem os seus privilégios".

Mas a base para que eles se unissem veio de um militar que comandava os exércitos na Guiné, o General Espíndola, que escreveu um livro, Portugal e o futuro (março de 1974), que "viralizou" entre os soldados, dentro e fora do país. Esse livro postulava a autodeterminação dos povos africanos sob o jugo Português como saída possível para acabar com a carnificina.

Os soldados então armaram um plano de golpe, que se daria no dia 25 de abril de 1974, às zero horas.  O plano da rebelião integrou todos os quartéis, que se articularam para chegar a Lisboa e ocupar todos os portos, aeroportos e veículos de comunicação. Se tudo desse certo: eles invadiriam a rádio nacional e fariam tocar a canção Grândola, vila morena, de Zeca Afonso. Essa canção estava proibida pelo governo, pela mensagem de fraternidade que associavam aos ideais comunistas.

O deslocamento para a capital foi feito sobre tanques e carros velhos que estavam avariados nos quartéis; eles foram consertados e serviram ao deslocamento dos soldados que, na madrugada, encontraram uma feira livre na cidade, cujos floristas lhes ofereceram o carregamento que tinham de cravos vermelhos, com os quais se fez simbólica imagem do tanque de guerra carregando um cravo vermelho para libertar os portugueses dos anos mais infelizes que tiveram.

Assim, o então conhecido MFA (Movimento das Forças Armadas) foi formado por oficiais de baixas patentes, que tiveram o apoio dos intelectuais, estudantes, portugueses e africanos em torno do ideário marxista, para depor Marcelo Caetano; o poder ficou transitoriamente nas mãos do General Espíndola, depois foram convocadas eleições gerais. Na rua, a multidão gritava: "o povo está com o MFA!".

Abaixo, cena do belíssimo filme de Maria de Medeiros, Capitães de Abril (2000). Para quem se interessar, vale muito a pena assistir ao filme interio, facilmente encontrável na rede. Aconselho que coloquem legendas (não é fácil para nós, brasileiros, compreendermos as falas).
Neste trailer vocês verão imagens da entrada dos tanques na cidade, a adesão dos soldados de Lisboa que se negam a detê-los e se juntam aos rebeldes e, apesar de terem pedido ao povo, na rádio, que se mantivesse em casa, TODO MUNDO foi pra rua, numa comemoração que durou dias, entre flores, abraços, canções e muito choro de alegria:


Abaixo a letra da canção que se tornou um hino da liberdade:

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

Zeca Afonso

É com emoção que vos deixo aqui também a canção que Chico Buarque fez para expressar nossa admiração pela liberdade conquistada nesse dia glorioso


Esta versão foi a original, claro: censurada aqui também pela nossa ditadura que, desde os anos 60, vivia o "império do medo" dos governos Costa e Silva e Médici.

quem quiser saber mais sobre a atuação da PIDE no ultramar e os campos de concentração portugueses em território africano, acesse: Os cárceres do império

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A hospitalidade em O Barão, de Branquinho da Fonseca

1. Epígrafes

 "O engajamento político não deve ser finalidade, mas acidente na arte" ( Fernando Pessoa)


"O ideal do Artista nada tem com o do moralista, do patriota, do crente ou do cidadão. Quando sejam profundos e quando se tenham moldado a uma certa individualidade, tanto o que se chama um vício como o que se chama virtude podem igualmente ser poderosos agentes da criação artística (...). A finalidade da Obra será, consciente ou inconscientemente, a finalidade estética" ( José Régio)


A originalidade na Arte, o brilho do Presencismo aparece em obras singulares que não se submeteram a um esteticismo programáticoO Barão (1942), de Branquinho da Fonseca (pseudônimo de Antonio Madeira, 1905 - 1974) é o melhor exemplo disto. 


Segundo David Mourão-Ferreira, Branquinho da Fonseca, como poeta do Presencismo, caracteriza-se pelo “reiterado pendor para a visão alucinatória do concreto e para a expressão aparentemente cândida do insólito.”

2. Elementos narrativos em O Barão: as personagens, o foco narrativo, o espaço, o tempo, a trama





                                         Trecho do filme O Barão, de Edgar Pera (2011)



DISCUSSÃO: contar um mito é recuar à origem das coisas através de uma história


MARIALVA: "Cortesão animalesco (nestas casas não se lê um livro, esta gente nunca lê", Beckford, Diário), comendo ("duas dúzias de perdizes a uma só refeição", idem) entre dois baldes para despejar o que o bucho não consinta, bocejando missas e responsos, o marialva faz gala do terra-a-terra como reacção ao requinte intelectual do burguês ou do aristocrata esclarecido.
Ali onde o vemos é homem de músculo, senhor da sua palavra. Ponhamo-lo na praça com botas e esporões, rabo espetado, chapéu de crista: um galo. Estudêmo-lo na conservação do lar: um honrado.(José Cardoso Pires, Cartilha do Marialva)


Nada na mão
algo na v'rilha
remancho as noites

e troto os dias
entre tabaco
viris bebidas
fraco mas forte
de muitas vidas.

(Que eu já dormi
co'as duas mães
e as duas filhas
que vão à missa
com três mantilhas)
...

Bebo contigo
cerveja uísqui
p'ra que se veja
mais rubra a crista

Nada na mão
algo na v'rilha
invisto contra
o zero puro
da minha vida
e duro, duro!

(Alexandre O´Neill)



HOSPITALIDADE: ato de acolher, de receber um hóspede em casa. Ser hospitaleiro significa hospedar bem àquele que não é da nossa família. Mas, segundo Jacques Derrida, “o estrangeiro é, antes de tudo, estranho à língua do direito na qual está formulado o dever de hospitalidade (...) Ele deve pedir a hospitalidade numa língua que, por definição não é a sua, aquela imposta pelo dono da casa, o hospedeiro, o rei, o senhor, o poder, a nação, o Estado, o pai etc. Estes lhe impõem a tradução em sua própria língua, e esta é a primeira violência. A questão da hospitalidade começa aqui: devemos pedir ao estrangeiro que nos compreenda, que fale nossa língua, em todos os sentidos do termo, em todas as extensões possíveis, antes e a fim de poder acolhê-lo entre nós?” (DERRIDA, Anne Duformantelle convida Jacques Derrida a falar da Hospitalidade. São Paulo, Escuta, 2003)

ALTERIDADE (do latim Alteritas“ser outro”, “colocar-se ou constituir-se como outro”). 
Segundo Lévinas, quando o outro é percebido como Alteridade torna-se absolutamente Outro, incompreensível, transcendente e incontornável, fonte das grandes experiências de vida e base genuína da ética. (...) A forma de ver o mundo a partir de si mesmo, negando a Alteridade do Outro, é chamada por Lévinas de pensamento totalizante ou Totalidade. Contudo, é impossível viver fora da Totalidade (a identidade que formou meu ser). Por outro lado, a Totalidade não pode ser base para a ética ou a relação com o Outro. (...) O Outro é sempre estrangeiro para mim, ainda que seja irmão, vizinho ou viajante. Mas a visão do Rosto, quando acontece, sempre surpreende, pois é visão do Outro nunca antes percebida que rompe minha Totalidade e minha ingenuidade. Deixamos de ficar “lado a lado” e ficamos “face a face”. (...) A violência é uma das chaves para o entendimento da ética da Alteridade de Lévinas, pois a redução do Outro ao Mesmo sempre gera algum tipo de violência que parte daquele que recusa ou reduz a Alteridade. (Emmanuel Lévinas: Introdução à Filosofia da Alteridade)


"A hospitalidade tem sempre a hostilidade como horizonte" 
Visser (1990) liga o relacionamento entre o anfitrião e o hóspede através da raiz linguística comum dos dois termos. Ambas se originam de uma palavra comum indo-européia (ghostis), que significa “forasteiro” e, por meio disso, “inimigo” (hospitalidade e hostil possuem raiz similar), mas a ligação expressa neste termo simples “refere-se não tanto ao próprio povo, ao hóspede e ao anfitrião, mas ao relacionamento entre eles” (p. 91). É um relacionamento baseado nas obrigações mútuas e, em última análise, na reciprocidade. Enfim, o hóspede torna-se o hospedeiro em outra ocasião. (LASHLEY, C. MORRISON, A. (Orgs) Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado.)


Raízes da palavra hospitalidade:  Otage (“refém”) <fr: Hôte
Gognatos: hotel; hóspede; hospedar; hospício; hostil; hostilidade

CURIOSIDADES: 

Mircea Eliade explica, em seus escritos sobre mitos que "Os participantes da festa tornam-se contemporâneos de um tempo mítico" (O sagrado e o profano).

Sobre a cena da tuna:

Nas cidades com universidade é comum haver capas negras em festa pelas ruas e grupos de estudantes a cantar baladas e serenatas a quem passa, ou sob janelas de raparigas, de noite e de dia, o ano inteiro. As tunas são onipresentes na vida e tradições académicas e nas cidades que habitam. 





                                              Tuna da Faculdade de Medicina, Coimbra




                 Tuna Académica da Faculdade de Direito do Porto - Burguesinha  (2014)



Alteridade em Duas Pessoas

Duas Pessoas Eu digo: o teu cabelo. Ela está agachada junto à cama, procurando um sapato que se extraviou. Ergue a cabeça, de lado, e os olh...